Não-Arquia e Fé-Arquia

A palavra é ANARQUIA. O prefixo (“an-“) é o equivalente ao inglês “un-“, que significa “não”; particularmente não significa “anti-“ ou contra. Então, estamos falando de algo que é mais não alguma coisa do que algo oposto ou contra alguma coisa. A raiz “-arquia” (na qual eu fiz o termo em inglês soletrado a-r-k-y5) é um termo comum grego que significa “prioridade”, “primazia”, “primordial”, “principal”, “príncipe” e afins (Olhe a última frase e perceba que “pri-“ é simplesmente o equivalente latino ao grego “arquia”). Então, para nós, “arquia” identifica qualquer princípio de governança que reivindique ser um valor primário para a sociedade. “Governo” (que é determinado para governar ações e eventos humanos) é um bom sinônimo – contanto que sejamos claros, que arquias políticas estão longe de serem apenas “governos” que nos cercam. Em absoluto; igrejas, escolas, filosofias, padrões sociais, pressões entre colegas, modismos e modas, publicidade, técnicas de planejamento, teorias psicológicas e sociológicas – são todos arquias que desejam nos governar. “Anarquia” (“sem arquias”), é simplesmente o estado de não ser impressionado com; desinteressado em; cético em relação a; indiferente para; e não influenciado pelas reivindicações pretensiosas de toda e qualquer arquia.Obviamente, a idéia de “poder” vai no mesmo sentido de “arquia”; os dois são inseparáveis. De fato, toda fez que Paulo usa “arquia” no sentido de “principados”, ele junta o termo com umadas palavras gregas para “poder”. Ainda falando tanto de “poder” e “arquia” devemos fazer uma especificação crucial: estamos sempre supondo um poder ou governo que é imposto sobre seu eleitorado. Obviamente, isto é apropriado ao falarmos de, digamos, “o poder do amor”. Já que esse é um poder em um sentido completamente diferente da palavra, à medida em que não carrega indícios de imposição. Todas as arquias mundanas são naturalmente heterônomas – cada uma está aí para impor sua idéia de o que é certo sobre qualquer um que tenha qualquer idéia diferente. Nesse ponto de definição, então, devemos notar que a idéia de “revolução” não é anárquica em qualquer sentido da palavra. Revolucionários são opositores muito fortes à certas arquias que eles consideram “más” e que são o trabalho de “pessoas más”. Porém, eles também estão fortemente a favor do que eles consideram como “boas” arquias, que não deixam de ser o trabalho deles mesmo e de outras boas pessoas como eles. Por exemplo, esses revolucionários podem tentar ser superanarquistas, não encontrando nada de bom a dizer sobre a arquia institucional dos EUA; mas eles tornam-se extremamente proarquistas, não encontrando nada a não ser boas coisas a dizer sobre a arquia revolucionária sandinista. Certamente, o procedimento regular de “revolução” é formar uma (boa) poder-arquia que possa derrubar e afastar, ou ainda transformar radicalmente a atual (má) arquia no poder. Essa seletividade é igual à uma fé apaixonada no poder das arquias para o bem humano, e a coisa mais distante possível de uma desconfiança anarquista em relação à qualquer arquia humana. Apesar de “anarquista” ser um sinônimo para “não partidário”; e “anarquia” e “partidarismo” estarem em direções contrárias. “É claro, o pensamento não pode ir muito longe nessa direção antes de chegarmos a uma palavra que é muito esquecida hoje. Ainda há algo a ser dito para ela. Eu a citarei bem aqui:
‘Anarquia”. No que diz respeito aos habitantes da Terra, uma certa liberdade, uma verdadeira falta de controle, seria quase melhor do que este negócio de pregados-e-apertados, que transforma indivíduos em rebanhos fechados para cada grande pensamento.” (Thy Kingdom Come [Eerdmans, 1980], p. 21).
e Ainda:
“As pessoas estão com medo do colapso mundial. Eu estou ansioso por isso. Queria que começasse bem agora a colisão. Para esse mundo, a grandeza humana é e continua sendo a causa de toda a miséria. Elas não podem fazer nada acerca disso; essas pessoas bem intencionadas, esses bons ministros, esses excelentes prelados e papas. Não interessa o quanto tentem, não podem. Eu gostaria de dizer a todos eles, ‘Você não pode fazer isso!’.”
Mais recentemente, Ellul publicou uma autobiografia, em forma de entrevista, intitulada In Season, Out of Season (Harper & Row, 1982; depois, Season). Nesta, ele usa o termo anarquia muito pouco. Porém, a maior parte da entrevista é relevante. Por exemplo, ao responder a questão “Você se considera um anarquista?”, ele diz:
“O meio anarquista é o único no qual freqüentemente me sinto bem. Sou eu mesmo. Não me sinto a vontade no meio da direita, a qual não me interessa, nem no meio da esquerda, para a qual eu não sou demasiadamente socialista, muito menos um comunista. E de modo algum, realmente de modo algum, não me sinto a vontade no meio da esquerda cristã...
[O entrevistador pergunta:] Contudo, você não é partidário de uma sociedade mais racional?
Oh, não, de maneira alguma. Ao contrário, creio que o melhor que poderia acontecer à sociedade hoje é um aumento na desordem... Não estou de maneira alguma argumentando em favor de uma ordem social diferente. Estou defendendo a regressão de todos os poderes de ordem.” (pp 195-196).
A fé-arquia simplifica, e muito, a tomada de decisões morais. Um escape para a terrível ambigüidade e complexidade que é lidar com indivíduos, que sempre são uma grande mistura de bem e mal, forças e situações que são muito parecidas. Agora, alguém pode pensar em termos de blocos de poder árquicos homogêneos, que claramente se classificam em bom ou mau; a moralização pode ser feita facilmente através de qualquer reflexão idiota. Sendo assim, “pacifismo” (ou qualquer atributo) é bom e qualquer coisa que não seja pacifismo é uma “máquina de guerra do mal”. Um governo capitalista dos EUA é mau; um governo sandinista socialista é bom. “Masculinidade” é mau; “feminismo” é bom. A Moral Majority é má, o National Council of Churches é bom. Corporações multinacionais são más, indústrias familiares são boas. Escolhas morais tornam-se maravilhosamente descomplicadas quando questões humanas são simplesmente compreendidas em termos de disputas de arquias que vestem chapéus pretos e chapéus brancos. O problema, é claro, é que esse modo de encarar a moral não tem muita relação com a realidade. Contudo, a respeito do dever em si; eu poderia dizer que se a nossa posição deve ou não ser cobrada como “apolítica”, depende inteiramente do que se define por “política”. Se “política” é tomada em seu sentido estreito, significando os meios e métodos que o mundo normalmente aceita como normativa para fazer a sua política, então a minha posição é claramente a do apoliticismo. Se, porém, “política” for entendida em seu sentido etimológico amplo, como identificador de quaisquer ações que tem efeitos públicos sobre a vida da “cidade” (polis), então não há base para acusar a “mim” ou aos “meus” de advogar o apoliticismo. Em segundo lugar, uma característica primária das políticas mundanas é a sua invariável formação de uma “batalha contraditória”. Deve haver uma batalha. Um partido, ideologia, grupo de causa, lobby, ou bloco de poder que se auto-designa como “O Bem, a Verdade e a Beleza”, prepara-se para dominar, oprimir, vencer, ou impor-se sobre quaisquer grupos opostos que pensam que eles não merecem tal título. Se essa disputa de poder entre os moralmente pretensiosos é o que se entende por “política”, então Eller e companhia estão de fato felizes de serem chamados de “apolíticos”.
(Anarquia Cristã - Vernard Eller)

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